quinta-feira, 12 de abril de 2018

BISAVÓS: A HISTÓRIA VERDADEIRA DO CAPITÃO E SUA VALENTE MINEIRINHA

Escrevendo sobre o bisavô no conto de ontem, me lembrei das histórias de família sobre os meus bisavós, e resolvi ir contando sobre eles da forma como me lembro. No entanto, como em todo o relato quem conta um conto aumenta um ponto, se alguém da família quiser dar palpite e contar sua versão dos fatos, este blog está aberto e desejoso de cumprir com a estrita verdade das biografias (parte delas) que pretendo trazer para vocês. Tenho uma prima um pouco mais jovem que eu que é ótima contadora de histórias. Estivemos juntas quando fui levar as cinzas de minha mãe a sua cidade natal. Bel, ela, Bau eu. Amigonas na infância, quando brincávamos ela, minha irmã menor, Belê, e eu - éramos horríveis com minha irmãzinha, bullying era pouco - e separadas pelas contingências da vida, nos reencontramos a cada tanto nas festas de família, onde comemos e bebemos sempre bem e muito. Delícia. Eu não sabia que ela era tão boa contadora de histórias, fiquei fascinada.
O bisavô materno era português. Pelo que me contou a prima Bel, bem falante, bem pensante, bonitão (acho), casado em Portugal veio para o interior do Brasil em busca de fortuna para trazer a família. Esteve em andanças por Minas Gerais, onde conheceu uma linda brasileirinha, Claudininha, que, apesar de jovenzinha, já estava casada e com ao menos um filho. No entanto, ao reconhecer no Capitão José Alexandre - sim, ele se fazia chamar Capitão - seu grande amor, com ele fugiu fronteira abaixo, vindo morar do outro lado da linha, em São Paulo. Aí fundaram sua família, ele português, ela mineira, os dois separados de suas famílias anteriores, dispostos a enfrentar tudo e todos para poderem viver seu amor plenamente. E assim foi. Assim viveram. Conta também minha prima que o Capitão, muito simpático, tinha amigos por toda a parte, e quando algum forasteiro chegava na cidade logo ia sendo convidado a participar da mesa do Capitão. Não sei se corresponde à realidade, mas acredito que minha bisavó devia gostar disso. Ou não tinha opção, pobrezinha, e vivia como podia a situação de mulher do Capitão, sendo sua companheira nessas aventuras. Tiveram filhos, não sei quantos, um deles foi minha avó. Linda, linda, com as bochechas cheínhas, uma belezura. A bisavó, essa valente que correu atrás de seus sonhos, também era uma mulher linda. O caso é que, depois de idosos, tiveram notícias do falecimento da esposa portuguesa do bisavô Capitão, e do marido brasileiro da minha bisavó. Casaram-se. E viveram felizes para sempre. Acho.  

quarta-feira, 11 de abril de 2018

PRIMEIROS RELATOS

O bisavô e a menina

Atrás do grande vaso, ali ela estava, parada, olhando passando a seu lado aquela gente toda vestida de branco e outra gente toda vestida de preto e gravatas, gente que dentro de seu coração ligeiro de menina não cabia, com suas caras gordas e magras, finas, cheias de pós e rouges e batons, e gente amarga e serena, substancialmente vazias de sentido, esvaziadas nos espelhos das casas amarelas, amareladas, cinzentas, portas altas e varandas anchas, janelas de postigo, janelas de tramela, madeiras nobres, madeiras podres, e a menina abria os olhos muito muito e via afora porta afora esse mundo em que andavam de pares, braços dados, arrastando os pés em chão de terra, sujando a madeira polida com cheiro de óleo queimado que vinha da fábrica do avô. Aquele avô que havia chegado garboso um dia em lombo de burro tirando o chapéu para as mocinhas meio morenas meio brancas peles sedosas olhos de jabuticaba e gênio de fera mocinhas se riem se empurram se olham olham se entregam àquele avô que fez um filho naquela avó atrás do matagal que quase fugiu mas teve que casar o sogro o bisavô tinha uma garrucha enorme e na fábrica do bisavô se montou o avô a traquete-traquete-traquetear as engrenagens e a levar o óleo para encerar o piso. Avó 22 filhos, 11 filhas e 11 filhos entre bolos, tortas, queijos, churrascos, cigarro de palha, pigarro e viola. A menina atrás do vaso vendo a gentarada passar, braço dado, como se o tempo leve como se o tempo leve tempo como se o tempo. Cheiro de doce de abóbora cheiro de mato molhado cheiro de vaca e a cenoura daquela horta onde emprenhada saiu a avó 22 filhos atrás. Dentro do coração ligeiro da menina não cabia tudo o que tinha começado com a fábrica do bisavô.

SOTAQUES

  No café da manhã, li um trecho de um texto de Leonardo Padura em espanhol para minha companheira, que tem esta como sua primeira língua. S...