No café da manhã, li um trecho de um texto de Leonardo Padura em espanhol para minha companheira, que tem esta como sua primeira língua. Senti seu olhar muito doce sobre mim, e escutei sua forma amorosa de me dizer coisas lindas. Me disse que quase nunca leio alto textos em espanhol, e que considera que meu espanhol é muito correto e bem pronunciado, e que eu coloco um "açúcar" na forma de falar que não têm aqui na região oriental. Segundo ela, se sente meu acento estrangeiro, mas não é possível identificar a origem. Que minha leitura flui com suavidade e graça, dando um balanço diferente às palavras. Foi lindo saber dessa particularidade, pois assim deveriam ser as misturas de raças e línguas. Amorosamente ternas e açucaradas. Obrigada, amor.
Conto Contos
Nestes tempos sombrios, um mecanismo de escape ajuda a manter a sanidade. Conto Contos resgata bau-contoumconto.blogspot.com, trazendo minhas reflexões, contos curtos, poemas, invenções.
terça-feira, 9 de janeiro de 2024
terça-feira, 2 de janeiro de 2024
ANO NOVO: 2024
Acordei e já tenho 67 anos, este ano faço 68. Acho que passa assim com quase todas as pessoas, principalmente aquelas que, como eu, tiveram a sorte de não ter grandes problemas de saúde, sempre me preocupou pouco o tema. Me infernizaram -e infernizam- as artroses. Faz anos vivo entre dois países, e às vezes me custa um pouco entrar na onda de um e sair da onda de outro. Ainda trabalho. Ainda toco, faço ritmo com o cajón e o tantan e ainda invento que quero aprender outros instrumentos, comprei um ukulele durante a pandemia e aprendi a tocar sozinha. Tenho vontade de aprender a tocar ukulele direito, mas sou indisciplinada, teria que me imbuir do espírito discente para isso. Adoro meus filhos e meu neto. Tenho vontade de pegar ondas em minha bodyboard -assim que melhorar de uma lesão no ombro. Tenho vontade de tocar com minhas amigas. Tenho vontade de viajar com elas. Namoro. Comecei o ano caminhando à beira-mar, e estou lendo um livro devagarinho para não terminar. Tenho pena de terminar livros quando são interessantes para mim. Este é.
quinta-feira, 12 de abril de 2018
BISAVÓS: A HISTÓRIA VERDADEIRA DO CAPITÃO E SUA VALENTE MINEIRINHA
O bisavô materno era português. Pelo que me contou a prima Bel, bem falante, bem pensante, bonitão (acho), casado em Portugal veio para o interior do Brasil em busca de fortuna para trazer a família. Esteve em andanças por Minas Gerais, onde conheceu uma linda brasileirinha, Claudininha, que, apesar de jovenzinha, já estava casada e com ao menos um filho. No entanto, ao reconhecer no Capitão José Alexandre - sim, ele se fazia chamar Capitão - seu grande amor, com ele fugiu fronteira abaixo, vindo morar do outro lado da linha, em São Paulo. Aí fundaram sua família, ele português, ela mineira, os dois separados de suas famílias anteriores, dispostos a enfrentar tudo e todos para poderem viver seu amor plenamente. E assim foi. Assim viveram. Conta também minha prima que o Capitão, muito simpático, tinha amigos por toda a parte, e quando algum forasteiro chegava na cidade logo ia sendo convidado a participar da mesa do Capitão. Não sei se corresponde à realidade, mas acredito que minha bisavó devia gostar disso. Ou não tinha opção, pobrezinha, e vivia como podia a situação de mulher do Capitão, sendo sua companheira nessas aventuras. Tiveram filhos, não sei quantos, um deles foi minha avó. Linda, linda, com as bochechas cheínhas, uma belezura. A bisavó, essa valente que correu atrás de seus sonhos, também era uma mulher linda. O caso é que, depois de idosos, tiveram notícias do falecimento da esposa portuguesa do bisavô Capitão, e do marido brasileiro da minha bisavó. Casaram-se. E viveram felizes para sempre. Acho.
quarta-feira, 11 de abril de 2018
PRIMEIROS RELATOS
O bisavô e a menina
Atrás do grande vaso, ali ela estava, parada, olhando
passando a seu lado aquela gente toda vestida de branco e outra gente toda
vestida de preto e gravatas, gente que dentro de seu coração ligeiro de menina
não cabia, com suas caras gordas e magras, finas, cheias de pós e rouges e
batons, e gente amarga e serena, substancialmente vazias de sentido, esvaziadas
nos espelhos das casas amarelas, amareladas, cinzentas, portas altas e varandas
anchas, janelas de postigo, janelas de tramela, madeiras nobres, madeiras
podres, e a menina abria os olhos muito muito e via afora porta afora esse
mundo em que andavam de pares, braços dados, arrastando os pés em chão de terra,
sujando a madeira polida com cheiro de óleo queimado que vinha da fábrica do
avô. Aquele avô que havia chegado garboso um dia em lombo de burro tirando o
chapéu para as mocinhas meio morenas meio brancas peles sedosas olhos de jabuticaba
e gênio de fera mocinhas se riem se empurram se olham olham se entregam àquele
avô que fez um filho naquela avó atrás do matagal que quase fugiu mas teve que
casar o sogro o bisavô tinha uma garrucha enorme e na fábrica do bisavô se
montou o avô a traquete-traquete-traquetear as engrenagens e a levar o óleo
para encerar o piso. Avó 22 filhos, 11 filhas e 11 filhos entre bolos, tortas,
queijos, churrascos, cigarro de palha, pigarro e viola. A menina atrás do vaso
vendo a gentarada passar, braço dado, como se o tempo leve como se o tempo leve
tempo como se o tempo. Cheiro de doce de abóbora cheiro de mato molhado cheiro
de vaca e a cenoura daquela horta onde emprenhada saiu a avó 22 filhos atrás.
Dentro do coração ligeiro da menina não cabia tudo o que tinha começado
com a fábrica do bisavô.
SOTAQUES
No café da manhã, li um trecho de um texto de Leonardo Padura em espanhol para minha companheira, que tem esta como sua primeira língua. S...
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Escrevendo sobre o bisavô no conto de ontem, me lembrei das histórias de família sobre os meus bisavós, e resolvi ir contando sobre eles da ...
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