O bisavô e a menina
Atrás do grande vaso, ali ela estava, parada, olhando
passando a seu lado aquela gente toda vestida de branco e outra gente toda
vestida de preto e gravatas, gente que dentro de seu coração ligeiro de menina
não cabia, com suas caras gordas e magras, finas, cheias de pós e rouges e
batons, e gente amarga e serena, substancialmente vazias de sentido, esvaziadas
nos espelhos das casas amarelas, amareladas, cinzentas, portas altas e varandas
anchas, janelas de postigo, janelas de tramela, madeiras nobres, madeiras
podres, e a menina abria os olhos muito muito e via afora porta afora esse
mundo em que andavam de pares, braços dados, arrastando os pés em chão de terra,
sujando a madeira polida com cheiro de óleo queimado que vinha da fábrica do
avô. Aquele avô que havia chegado garboso um dia em lombo de burro tirando o
chapéu para as mocinhas meio morenas meio brancas peles sedosas olhos de jabuticaba
e gênio de fera mocinhas se riem se empurram se olham olham se entregam àquele
avô que fez um filho naquela avó atrás do matagal que quase fugiu mas teve que
casar o sogro o bisavô tinha uma garrucha enorme e na fábrica do bisavô se
montou o avô a traquete-traquete-traquetear as engrenagens e a levar o óleo
para encerar o piso. Avó 22 filhos, 11 filhas e 11 filhos entre bolos, tortas,
queijos, churrascos, cigarro de palha, pigarro e viola. A menina atrás do vaso
vendo a gentarada passar, braço dado, como se o tempo leve como se o tempo leve
tempo como se o tempo. Cheiro de doce de abóbora cheiro de mato molhado cheiro
de vaca e a cenoura daquela horta onde emprenhada saiu a avó 22 filhos atrás.
Dentro do coração ligeiro da menina não cabia tudo o que tinha começado
com a fábrica do bisavô.
Você escreve no ritmo de metralhadora . Coisa bela. Gruda nos olhos da gente .
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